Mar

Yuri Marcelo
3 min readNov 15, 2022

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Ontem entrei no mar, pela primeira vez depois de adulto. O que é engraçado, já que eu não deixei de ir à praia depois de mais velho.

Lembro que quando era criança adorava entrar no mar. Mais pra brincar, cair, rir. Não sei nadar, então nunca fui muito ao fundo.

A última vez que entrei, antes dessa, foi no sul. Eu enfrentava uma depressão silenciosa, existente e constante. Só molhei os pés. Nada acima da cintura. Meu primo, que me acompanhava, foi mais adentro. Num mar revolto e bravo. Agressivo. Mais como eu era. Bem parecido comigo. Lembro que sentei numa pedra alta e pedi pra tirarem uma foto. Até hoje, uma das minhas preferidas. Eu parado, olhando pra um mar cinza, num dia obviamente nublado. Frio. Chuvoso. Com as canelas molhadas.

Outra vez, fui com meus avós. A primeira vez deles vendo aquela imensidão. Meu avô andou de um lado ao outro. Parecia que queria ter a certeza que aquilo não tinha fim. Que não tinha uma borda o esperando do outro lado. Que ele conseguiria ver a curvatura da terra, talvez. Nesse dia eu fiquei nas cadeiras, assistindo ele quando me cansava de ler.

Mais velho não voltei pra praia com minha família. Trabalhei bastante. Nunca podia. Ou queria. Ficava em casa.

Depois, parei de gostar da praia. O sol me queimava. Tinha que andar com pouca roupa, coisa que eu odeio. O mar era perigoso. Sentia frio ao sair. Nada me puxava pro mar.

Fui em viagens a trabalho. Todos entrando no mar. Rindo. Relaxando. Eu só assistindo. Talvez um medo de alguma bobagem. Ou só falta de coragem.

Dessa vez foi diferente.

Estava com um grande amigo, num lugar paradisíaco. Familiar. Conhecido.

Entrei no mar e fui. Nadei. Nadei. Até onde quase não alcançava o chão. Me lembrei de uma amiga, que me contou uma das suas tristezas e de quando quase encontrou o que desejava se aventurando ao mar aberto. Continuei até onde não podia.

O silêncio me alcançou.

Eu estava completamente sozinho. Quase não via mais pessoas a minha volta. Quase não via a terra firme. Não ouvia nada além das ondas me acertando. Das quebras. Das águas. Azul refletindo o céu.

Me coloquei boiando de costas para ver o céu. Nenhuma onda tentou me afundar. Ao mesmo tempo, enquanto mais ia ao fundo, mais difícil era, o mar me barrou. Veio mais e mais forte. Me fazendo voltar. Eu não queria. Queria ficar ali. Queria ir além. Naqueles minutos, que pareceram dias, eu estava sem nenhum problema e tinha todas as soluções. Estava em paz, como a muito não tinha. Estava bem.

O mar me fez perceber que eu precisei merecê-lo.

Por merecer não digo a água salgada e a areia por vezes incômoda. Sim a paz que ele traz.

Apenas voltei quando ouvi meu nome sendo chamado por uma voz que eu conhecia. “Vem ficar comigo”.

Ali não era mais o mar me chamando para estar junto a ele. Era a realidade gritando que, para merecê-lo novamente, tenho que domar o que realmente importa. Eu mesmo.

Aos gritos do meu nome, o mar também entendeu. Quase me expulsou ao me empurrar. Me ajudou a nadar de volta, não sem antes me dar outro presente. A certeza que no mar, agora, tenho um novo lugar de paz.

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Yuri Marcelo

Escritor, poeta, cronista: “Sobrou então, o medo. E o medo é a característica básica da razão. ”